terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

E viveram felizes para sempre...

Ou não. Os casamentos reais misturam tradições da nobreza e dores da vida real em rituais que, ainda hoje, lembram contos de fada






























por Jeanne Callegari

Moça comum conhece estrangeiro encantador. Apaixonam-se e ela descobre que ele é o príncipe de um país europeu. Os dois se casam e vivem felizes para sempre. Conto de fadas? Não. Essa é a história real de Mary Donaldson, a publicitária australiana que conquistou o coração do príncipe Frederik, da Dinamarca. O casal se encontrou pela primeira vez durante a Olimpíada de Sydney, em 2000, e, quatro anos depois, protagonizou um dos casamentos mais românticos da realeza, na catedral de Copenhague. Ela desfilou com um vestido de 6 metros de cauda e um véu feito de renda irlandesa de 100 anos. Ele quebrou o protocolo e chorou no altar, enquanto esperava a chegada da noiva. Ao fim da celebração, o casal seguiu de carruagem até o palácio de Fredensborg, residência de primavera da família do noivo, para o beijo público junto ao balcão. A jovem nascida na Tasmânia, filha de um professor de Matemática, ganhou, assim, o título de sua alteza real e princesa herdeira do trono da Dinamarca.

Como a maioria dos casamentos reais, marcados por pompa e tradição, esse também foi acompanhado por milhares de pessoas. "A mágica do evento fascina o público: um vestido de tirar o fôlego, o desfile em um Rolls-Royce conversível ou mesmo em uma carruagem dourada", diz Julia Melchior, autora do livro Royal Weddings ("Casamentos reais"), escrito em parceria com Friederike Haedecke. "E, apesar da organização cuidadosa, em cada casamento real ocorrem coisas engraçadas em que ninguém pensou antes." É o anel que não entra no dedo, um lenço que aparece quando não devia, a tiara que some na última hora. Deslizes que aproximam os soberanos de seus súditos, que torcem pelos casais e choram junto com eles.

Os gestos rituais impressionam também por conseguirem, em momentos inspirados, sintetizar significados e valores antigos da monarquia. No casamento de Máxima Zorreguieta com o príncipe Willem-Alexander, da Holanda, todos prenderam a respiração, quando a aliança resistiu a encaixar no dedo da noiva. A joia finalmente coube tão perfeitamente no anular da princesa quanto o sapato de cristal no pé de Cinderela. E a plateia comemorou, como se assistisse ao triunfo definitivo do amor sobre a política.

Máxima era argentina e plebeia, mas não foram esses os principais obstáculos ao casamento. O problema era de outra natureza. A união dependia, por lei, da aprovação do Parlamento, mas enfrentou resistências porque o pai da noiva, Jorge Zorreguieta, participara da ditadura militar argentina como secretário da Agricultura e da Pecuária, de 1976 a 1983. Depois de difíceis debates, uma solução negociada permitiu a cerimônia, mas proibiu a presença dos pais de Máxima. A ausência da família deu um toque amargo ao casamento. Emocionada, a noiva chorou ao som do tango Adiós Nonino ("Tchau, papai"), de Astor Piazzolla. Depois da cerimônia, realizada em 2002, o casal saiu em uma carruagem dourada pelas ruas e subiu à sacada do palácio real para o beijo do final feliz.

Durante a crise, Willem-Alexander teve o apoio integral de sua mãe, a rainha Beatrix. Afinal, ela havia escolhido, anos antes, um diplomata alemão para marido e também sofrera pressões. No dia do casamento com Claus von Amsberg, em março de 1966, seis bombas explodiram em protesto, em diferentes pontos de Amsterdã. Ainda havia muito rancor contra os alemães nos países ocupados durante a Segunda Guerra Mundial. E era difícil aceitar um ex-integrante da Juventude Hitlerista na Casa Real holandesa. O Parlamento só autorizou o enlace após historiadores terem garantido que Claus não havia participado nem de crimes de guerra nem de atos antissemitas.

Se as feridas estavam abertas 20 anos depois do conflito, o que não dizer do estado de espírito dos britânicos em julho de 1947. Menos de dois anos após o fim da guerra na Europa, o rei George VI anunciou o noivado de sua filha, Elizabeth, com Philip Mountbatten, grego, mas filho de uma alemã. O casamento aconteceu num dia frio e chuvoso, tipicamente londrino. No difícil pós-guerra, a cerimônia foi austera. Como prato principal, serviu-se perdiz, um dos únicos tipos de carne excluídos do racionamento. Para o vestido de Elizabeth, o governo emitiu 200 cupons destinados à aquisição racionada de roupas ou tecidos. Muitas mulheres também enviaram à noiva seus cupons, mas o uso de tíquetes de terceiros estava proibido e Elizabeth os devolveu. Ou seja, o incômodo dos súditos com a origem do noivo da princesa durou pouco. Centenas de milhares de pessoas enfrentaram o clima ruim para ver o casal no balcão da estação Waterloo.

No fim do século 20, nem a guerra nem a diferença de classes eram mais uma barreira. Mas Mette-Marit, a noiva do príncipe Haakon, da Noruega, além de plebeia, era mãe solteira. Mesmo na liberal Noruega, houve reclamações. Os súditos desconfiavam da loura que o príncipe conhecera em um festival de rock e circulavam rumores sobre seu passado. A três dias do casamento, ela admitiu à imprensa que tivera uma vida extravagante, mas argumentou que suas experiências a haviam tornado forte e madura. Uma onda de simpatia correu o país e, no casamento, em 2001, a população estava encantada com ela. Mette-Marit e Haakon entraram juntos na catedral de Oslo e convidaram 50 plebeus para o baile, incluindo amigos ex-viciados em drogas. Mas o príncipe deu à noiva a mesma aliança que o avô, Olavo V, e que seu pai, Harald V, haviam dado às suas escolhidas.

Não é fácil atualizar convenções. Friederike Haedecke e Julia Melchior descrevem 14 casamentos reais e mostram o quanto da história da monarquia está viva. São fotos e detalhes das cerimônias, que, muitas vezes, tentaram conciliar modernidade e tradição. Em 1993, o casamento do príncipe Naruhito, do Japão, combinou ritos seculares a um desfile de Rolls-Royce conversível, a pedido da noiva, Masako. Ela deixou uma carreira promissora no Ministério das Relações Exteriores, e o futuro marido prometeu ajudá-la na difícil transição para a vida solitária do palácio. Momentos da celebração só puderam ser vistos pelos sacerdotes. Os 812 convidados esperaram no vestíbulo, enquanto o casal fazia seus votos no templo da deusa do sol, Amaterasu, no palácio imperial, em Tóquio. A noiva vestiu 12 camadas de quimonos, pesando 10 quilos.

Dancing Queen

O que a cerimônia japonesa teve de reservada, o casamento do rei da Suécia, Carl Gustaf, em 1976, teve de popular. A começar por um dos presentes: show oferecido pelo Abba, banda pop do país que compôs para a futura rainha Sílvia, brasileira filha de alemães, um dos maiores sucessos de todos os tempos - Dancing Queen. Mesmo assim, como todo casamento real, foi organizadíssimo e custou 1,5 milhão de euros, em moeda atual.

O casamento precede uma questão vital para a realeza: a obrigação de gerar sucessores. Acabou assim a união do xá da Pérsia (Irã), Mohammed Reza Pahlevi, com Soraya Bakhtiari (1932-2001), chamada de princesa triste. Por mais que afirmasse amá-la, ele se divorciou dela em 1958. Decisão inútil, porque os filhos do enlace seguinte, com Farah Diba, não chegaram ao poder: o xá foi deposto em 1979. Mas o casamento, quando Soraya tinha 18 anos, em 1951, foi um dos mais grandiosos da História. No baile, a imperatriz, que convalescia de doença desconhecida, quase desfaleceu sob os 20 quilos de um Dior com diamantes e plumas de marabu (um tipo de cegonha). O xá mandou tirar 10 metros da cauda do vestido, e, à base de sais, Soraya aguentou até as 2 da manhã, quando o banquete terminou.

Toda de branco
A rainha Vitória consagrou a cor do vestido

"Murmúrios se espalharam entre os 300 convidados, na capela do palácio de Saint James, em Londres, quando a rainha Vitória da Inglaterra apareceu, usando um vestido de corpete justo e saia ampla. Mas o que fazia a visão realmente espetacular era o fato de que tudo, tanto vestido quanto véu, era branco." Assim o livro Royal Weddings ("Casamentos reais") descreve o impacto causado pela rainha no casamento com o príncipe Albert, seu primo, em fevereiro de 1840. Ela não foi a primeira a ir ao altar de branco. Mas ajudou a firmar o costume. No século 19, todas as cores eram possíveis num vestido de casamento. Os plebeus usavam em geral tons escuros, que pudessem ser aproveitados em outros eventos. As noivas nobres, mesmo nas famílias reais, preferiam em geral tons de dourado e prateado para mostrar riqueza.

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